AVISO: Este site vai entrar em recesso e voltará em Março, com uma nova programação. Desejo um Feliz Natal e um Próspero Ano Novo a todos os meus leitores que me apoiaram em 2023. Enquanto isso, fiquem com essa surpresa aqui.
1.
Em primeiro lugar, antes de tudo, vamos responder à pergunta contida no título deste texto:
O que é o Princípio da Maratona?
Trata-se do fato de que o prestígio e a permanência da obra estão diretamente relacionados ao entrenamiento [treinamento] do seu criador.
Uma das questões práticas que surge quando nos encontramos na trilha desta estrada onde, como já nos avisou Flannery O’ Connor, esbarramos inevitavelmente com o dragão descrito por São Cirilo de Jerusalém é o quanto de fôlego você conseguirá ter para ir até o final do caminho, especial se for a da vida do espírito. Afinal de contas, o percurso intelectual não é para qualquer um – ainda mais se deseja ter alguma espécie de relevância naquilo que faz, seja em termos de qualidade ou da abrangência (para não dizer, de prestígio) que as suas ideias possam ter na sociedade.
É então que somos apresentados ao princípio da maratona do modo mais simples possível – quando, sem mais, nem menos, o nosso corpo começa a falhar; quando, subitamente e sem dar nenhum aviso, a nossa respiração diminui e descobrimos que tudo aquilo que fizemos não passa de uma rematada farsa. E o mesmo acontece com aquele que se dedica (ou pensa se dedicar) à vida intelectual. O jovem incauto começa nesta trilha na crença de que pode tudo; sua mente fervilha com as ideias, com as obras que está por fazer, os livros por escrever, os sucessos por conquistar, os fracassos que não estão computados no cálculo, e os prêmios que estão por vir.
Tudo parece dizer que o triunfo é apenas uma questão de tempo. Na verdade, é apenas uma questão de fôlego: até quando você consegue correr para atingir a linha de chegada? Só porque a vida intelectual envolve uma boa dose de contemplação, isso não significa que ela também não envolva exercício físico, de preferência aquele que faz o cérebro ferver e retorcer os nervos do seu corpo. É nesta ilusão que o princípio da maratona surge como o calcanhar de Aquiles de qualquer um que se envolva nesse tipo de empreitada.
Pois o treinamento fundamental para se aguentar esse tipo de vida – um treinamento que Ortega y Gasset dizia explicitamente, em seu espanhol cristalino, que era uma ascese, um entreinamento, um exercício contínuo e sem pausa – exige também uma paciência para entender que o mais importante na trajetória intelectual é “a evidência silenciosa”, aquilo que não podemos ver a princípio, mas que depois se revela de uma vez só, em um único ato, e a qual parece surgir como se fosse uma surpresa, mas estava lá, dormente, pronto para aparecer quando ninguém esperava. O jovem rapaz que deseja ter o mundo pela via do pensamento precisa saber que a sua obra é, principalmente, o resultado de muita ginástica. Não basta ter metas específicas ou corriqueiras; ele tem de ter um sistema orgânico que o faça superá-las, em vista de um fim mais ambicioso.
Isso significa que, muitas vezes, quando surge um jovem talento e ele é rapidamente reconhecido pelos seus contemporâneos, podemos estar diante daquilo que o piloto de Fórmula Um, Nikki Lauda, chamava de “sorte de principiante”. “Tudo bem, você venceu de mim na primeira corrida”, ele dizia ao seu oponente, “mas será que conseguirá vencer na segunda, na terceira, na quarta? Duvido”. O resultado das corridas seguintes provava que Lauda tinha razão, já que era ele quem chegava ao pódio e não o novato que sofria da boa e velha hubris. Percebe-se que o talento imberbe não tem folego quando ele confunde as ausências da “evidência silenciosa” e prefere atirar para todos os lados, na intenção de ser notado o mais rápido possível por qualquer figurão do establishment de quem possa tirar algum proveito.