Bom dia, caro Martim.
Caso esta instituição de perguntas a você não tiver sido definitivamente erodida, gostaria de lhe perguntar a respeito da questão da filosofia da mente.
Tenho percebido que existe (ao que me parece) uma polarização entre aqueles que não são reducionistas (que sustentam teorias da mente em que há ou propriedades imateriais ou que o mental é a parte mais fulcral - como naturalistas tais como David Chalmers e Philip Goff, e teístas como Edward Feser e David Bentley Hart) e aqueles reducionistas (representados pelas diversas formas de materialismo - tais como Daniel Dennett, Patricia Churchland e Ned Block). O que percebo é que há uma razoável lacuna entre as duas correntes - sobretudo aqueles que sustentam que a fisicalidade é superveniente metafisicamente ao mental, muito em razão da pressuposição metafísica deles, ou seja, de que o mundo possui, em última instância um Ser Necessário, viz. Deus, ao passo que aqueles que reduzem tudo ao físico, eliminando tudo que é mental, principalmente os materialistas eliminativistas. Enquanto que os filósofos mais teístas e não reducionistas enfatizam a questão metafísica da mente (intencionalidade, qualia, subjetividade), os materialistas salientam a parte mais empírica (neurociência, neurobiologia), ocorrendo, desse modo, pouca importância dos primeiros nas ciências cognitivas e dos últimos um certo desprezo sobre as questões metafísicas.
Você não acha que os não reducionistas cometem o mesmo erro dos reducionistas - isto é, os que reduzem tudo à fisicalidade, contudo sem considerar aquilo que vem antes, sobretudo metafísica e antropologia, para depois fazer uma síntese com os achados empíricos -, ao refletir somente as questões metafísicas, deixando de lado uma parte importante da dimensão da mente, a parte física, e, desse modo, desprezando as ciências cognitivas que podem, de fato, ajudar a entender melhor a mente, a consciência e a inteligência? Não seria o melhor hoje em dia seguir um método aristotélico (na verdade, em tudo,) pois Aristóteles levou em conta os dados empíricos das ciências naturais, não as desprezando - como Platão que não deu muita importância e hoje os não reducionistas também -, todavia ao mesmo tempo não reduzindo tudo à fisicalidade - como fizeram os pré-socráticos e hoje os eliminativistas e reducionistas fazem? – Victor Brongel.
Não, Victor, essa instituição de perguntas ainda não foi erodida, enquanto as pessoas me enviarem questões pertinentes – o que é o seu caso, felizmente.
A sua inquisição é longa e cheia de meandros técnicos, que só um especialista conseguiria responder adequadamente, mas tentarei fazer algo para ajudar o leitor médio (ou o “homem comum enfim”, segundo as palavras de James Joyce).
De fato, na discussão sobre o que seria a inteligência (especialmente referente ao tópico mais do que atual em torno da “inteligência artificial”), há essa polarização entre – vamos chamá-los assim – “materialistas” e “metafísicos”.
Contudo, como você bem apontou, os primeiros esquecem da parte invisível e os segundos esquecem da parte corporal. Apesar destes últimos serem, em sua maioria, cristãos, parecem ter deixado de lado o ponto todo da Encarnação, que é justamente a síntese entre o corpo e o espírito.
Acredito que essa “polarização” é, na verdade, resultado da lacuna – como você usou esse termo adequadamente – da tensão do metaxo, segundo Voegelin, o entremeio em que o aspecto de Eros unificando os diversos estratos possibilita um conhecimento mais amplo e orgânico dos diferentes níveis das realidades.
Estou absolutamente convencido de que não vivemos uma crise da inteligência, como muitos argumentam, mas sim uma crise da imaginação, que acontece sobretudo porque estamos numa crise erótica – ou seja, Eros é um daimon amputado, substituído por um Agape petrificado em dogmas, e essa metástase se espalhou por todas as regiões das relações humanas, da nossa sexualidade até a ciência moderna, passando sem dúvida nenhuma pelas artes e pela filosofia (este é, aliás, um dos temas centrais de A Tirania dos Especialistas, sobre o qual ninguém, como de hábito, comentou nas análises feitas sobre o livro).
Os “materialistas” e os “metafísicos” estão justamente no meio dessa tensão – e eles não conseguiram encontrar uma solução para superar tal impasse, o que contamina igualmente o debate público sobre o tema da “inteligência” (artificial ou não).
Por isso, em vez de me basear somente em Bentley Hart e Chalmers (pensadores inestimáveis, com certeza), prefiro a abordagem de um Roger Penrose, que afirma que a consciência humana não pode ser computada porque ela estaria em um reino indeterminado da mecânica quântica – que, em termos mais científicos, pode ser justamente o tal metaxo que Voegelin e Platão comentaram no passado.
É um território em que, se ao menos não é contaminado pela polarização, pelo menos respeita a liberdade da consciência humana de ir além de qualquer determinismo que tenta ser imposto pelos cientistas modernos, sejam eles cristãos ou ateus.
Perguntas a MVC é uma ótima oportunidade para todos nós conhecermos sobre filosofia , cultural e atualidades gerais a partir das dúvidas de seus leitores.
Obrigado!!! – Guilherme Torquato Dutra
Então, meu caro Guilherme, não apenas elogie. Pergunte, pergunte, pergunte! – senão acabo de vez com essa sessão nesta bodega.
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