(Re)Fluxo Cultural #11
O exorcismo a ser feito nas nossas letras brasileiras é o trabalho de uma vida inteira.
Dizem que eu me preocupo demais com demônios. Como há alguns anos escrevi um livro que relacionava a literatura brasileira atual com exorcismo (A Poeira da Glória), engraçadinhos acharam que, em breve, eu iria começar a falar dos gibis do Alan Moore – um autor o qual, aliás, estimo muito (e sobre quem eu já meditei a respeito). Também reclamaram de que eu não saberia explicar onde se encontrava na geração atual a tal temática de favelado – pois parece que estes novos autores fogem da periferia como o diabo foge da cruz (desculpem-me pelo trocadilho).
A minha intenção ao escrever um catatau sobre as nossas letras brasileiras atuais foi a de apresentar um panorama, não um sistema. Ainda assim, é necessário trazer à tona alguns pontos, talvez como uma espécie de critério para que depois ninguém venha a reclamar que coloquei demônios demais e literatura de menos.
O fato é que demonismo, literatura e a favela têm muita coisa em comum. Talvez meus oponentes tenham razão ao afirmarem que, na literatura brasileira agora em voga – repleta de jovens descolados, intoxicados por retóricas identitárias, e que sabem mais sobre estilo do que sobre substância - a favela não é mais um símbolo preponderante (agora ela é chamada de comunidade). Contudo, se o símbolo sumiu, a mentalidade permanece – e eis o perigo disso tudo. De qualquer forma, a nossa literatura permanece dentro de um horizonte provinciano, por mais que pareça cosmopolita, com suas referências trendy e as citações cinematográficas.
Este provincianismo mostra que o autor é incapaz de extrair de si a loucura exigida pela literatura. Quando falo de demônios, falo exatamente disso: loucura, meus amigos, loucura – aquilo que Henry James, já na fase old pretender, afirmava ser the madness of art. Mas um aviso: não se trata de uma loucura qualquer, como a que nos fazem acreditar que será curada em hospícios e sanatórios. É uma insanidade que deve ser disciplinada, controlada, para que os tais demônios que as pessoas têm tanto medo de chamá-los não se apossam não só do escritor como também do seu estilo, da sua arte – enfim, para que não transforme essa loucura em futilidade.
Porque, de todas as mentalidades de favelado, a mais perigosa é a de ser fútil – ou, se quisermos usar termos mais sofisticados e suaves, a do esteticismo. Kierkegaard definia três estilos de vida que alguém poderia experimentar: o estético, o ético e o religioso. A literatura brasileira, salvo raras exceções, não conseguiu passar do primeiro estágio. É algo ruim? Não, se quiser permanecer provinciano – uma característica que não precisa ser exclusivamente brasileira. Mas se o escritor tiver alguma ambição, então temos problemas – pois quanto mais alto se sobe, mais rápido pode-se cair.